10 dezembro 2011

A NOSSA HIPOCRÍSIA DE CADA DIA...


A Nossa Vitória de cada Dia...

Olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia.

Não temos amado, acima de todas as coisas.

Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos.

Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro.

Não temos nenhuma alegria que não tenha sido catalogada.

Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas.

Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos.

Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo.

Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda.

Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de sermos inocentes.

Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer a seu contesto de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios.

Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar a nossa vida possível.

Muitos de nós fazemos arte por não saber como é a outra coisa.

Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa.

Falar no que realmente importa é considerado uma gaffe.
Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses.

Não temos sido puros e ingénuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer «pelo menos não fui tolo» e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz.

Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos.

Temos chamado de fraqueza a nossa candura.

Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo.

E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.



Clarice Lispector

Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres

: : TRECHO : :
“Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de.

Apesar de, se deve comer.
Apesar de, se deve amar.
Apesar de, se deve morrer.

Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra pra frente.

Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida.

Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi.

E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero.

Mas quero inteira, com a alma também.

Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso.” (p. 26)

Deveria ser leitura obrigatória para todos que pretendem amar e ser amados por alguém.


Espero, com este texto, que traz mais impressões do que informações, despertar o interesse de mais leitores.

É como se ela conseguisse traduzir num discurso compreensível toda a confusão e perplexidade que existe dentro da gente.

E, muito mais do que complexa, eu diria que Clarice é sensível.

Tanto que conseguiu transformar uma simples história de amor num grande livro e, pra isso, não precisou recorrer a personagens fantásticos, paisagens incríveis ou a uma narrativa mirabolante.

Uma aprendizagem… não passa de uma história comum com personagens de carne e osso como eu e você.

Trata-se de Ulisses e Lóri, que se gostam, querem ficar juntos, mas ainda não estão prontos um para o outro. Ou melhor, Ulisses, mais velho e experiente, sente-se mais à vontade diante do amor, enquanto Lóri é uma aprendiz dos assuntos do coração.

E quem disse que é preciso aprender a amar?

Embora muita gente nem se dê conta disso, Ulisses e Lóri vão provar que sim, e que essa aprendizagem faz parte de um processo essencial (e prazeroso) de amadurecimento.

E tudo isso é passado ao leitor de uma forma incomum, num livro com poucos diálogos e quase nenhuma ação, que foge inteiramente à didática de cartilhas monótonas e previsíveis.



OBS: “Ela tem uma narrativa circular, sem começo nem fim”; “Clarice é intensa e subjetiva, entendê-la não é fácil”.
Eu a definiria como uma “bagunça com ordem”, ou ainda uma “desordem que faz sentido”.


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